Você está aqui: Página Inicial / Intranet MPF / Um ano após Mariana, Ministério Público Federal atua para prevenir novos acidentes

Um ano após Mariana, Ministério Público Federal atua para prevenir novos acidentes

Cerca de 50% das barragens brasileiras têm potencial de dano similar ou superior ao de Mariana

Cerca de 50 procuradores da República em 44 unidades do Ministério Público Federal investigam a situação das barragens de mineração brasileiras. Localizados em 16 estados, os 397 empreendimentos não são fiscalizados adequadamente, conclui o MPF. O balanço parcial dos resultados desse trabalho foi divulgado nesta sexta-feira, 4 de novembro.

A atuação preventiva, capitaneada pelo Grupo de Trabalho de Mineração da Câmara de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural do MPF, visa evitar a ocorrência de novos acidentes como o de Mariana, em Minas Gerais, que deixou 19 vítimas há um ano.

Segundo apuração do MPF, com base em dados do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), atualmente cerca de 50% das barragens brasileiras têm potencial de causar danos parecidos ou ainda piores do que os ocorridos na cidade mineira.

De acordo com o DNPM, as barragens brasileiras estão classificadas em categorias de risco que vão de A a E, sendo A o nível de maior risco. A classificação também leva em conta o dano potencial associado, ou seja, os danos socioambientais que os empreendimentos podem causar no caso do rompimento de uma barragem.

Para o coordenador do GT Mineração, procurador da República Darlan Dias, a barragem de Fundão, classificada como de baixo risco de rompimento, mostrou que o sistema de classificação deve ser revisto. “A barragem do Fundão era classificada como C, com dano potencial alto, mas risco de rompimento baixo. Percebemos que temos problemas de classificação, tudo que aconteceu mostra que o risco não era baixo. Chegamos à conclusão que não devemos olhar apenas as barragens de classificação A, ou seja, com maior risco”, esclareceu.

Os membros do MPF iniciaram as investigações solicitando informações ao DNPM e aos empreendedores sobre a implementação dos principais instrumentos previstos na Política Nacional de Segurança de Barragens: planos de segurança e de ação de emergência, declaração de estabilidade da barragem, rotina de fiscalizações, rotina de inspeções e serviço especializado de segurança.

A análise das primeiras informações recebidas pelo MPF apontaram falhas na fiscalização dos empreendimentos por falta de estrutura e legislação defasada, que não traz garantias financeiras, regularidade ambiental e redução de resíduos.

Diante desse cenário, o MPF recomenda que se pense em novas alternativas para reforçar a estrutura do DNPM, como a contratação das auditorias externas certificadas, por exemplo. Para a Câmara de Meio Ambiente, é imperativo que o acidente de Mariana leve o Brasil a repensar a sua legislação no tema, para prever instrumentos de garantias financeiras, reparação de danos e minimização dos rejeitos. Em discussão no Congresso Nacional, o Novo Código de Mineração vem sendo acompanhado de perto pelo Ministério Público Federal.

DNPM – O diretor-geral do Departamento Nacional de Produção Mineral, Victor Hugo Bicca, admitiu que o órgão tem dificuldades para fiscalizar adequadamente as barragens, mas que está aprimorando os mecanismos de fiscalização. “Um passo importante que estamos dando, em função das recomendações do MPF, é o desenvolvimento de um sistema de gerenciamento virtual das barragens, que vai permitir termos online todas as informações colhidas em campo. Então, haverá um incremento na nossa capacidade de fiscalizar”, adiantou.

Segundo Bicca, o empreendedor deve ser o principal responsável pela segurança da barragem, cumprindo o que já é previsto na Lei Nacional de Segurança de Barragens. “O DNPM deve funcionar como fiscalizador suplementar”, informou o diretor-geral, que também admitiu que a tragédia de Mariana despertou o órgão para um aprimoramento na fiscalização.

Outros acidentes – Apesar de não terem ganhado a proporção do episódio ocorrido na cidade mineira de Mariana, outros rompimentos de barragem causaram grandes impactos socioambientais no país nos últimos 15 anos.

Em 2001 o rompimento da barragem de Macacos, também em Minas, deixou cinco mortos. Em 2003, em Cataguazes (MG), mais de 600 mil pessoas ficaram sem abastecimento de água por causa do rompimento da barragem da Cataguazes Papel, com o despejo de 1,4 bilhões de litros de lixívia negra. Em 2007, a barragem de Miraí (MG) rompeu e derramou mais de dois milhões de litros de lama de bauxita. Mil e duzentas casas foram atingidas e cerca de quatro mil pessoas ficaram desalojadas.

Em 2009, o rompimento de barragem de finos de carvão, na mina Cruz de Malta, em Santa Catarina, comprometeu as águas do rio Mãe Luzia. Já em 2014, um reservatório de finos de carvão rompeu na mina 3G, em Santa Catarina, e prejudicou gravemente as águas do rio Tubarão e a fauna e flora aquáticas do local. Em 5 de fevereiro de 2016, o rompimento de barragem de mineração de areia em Jacareí, São Paulo, comprometeu as águas do rio Paraíba do Sul, fonte de água para moradores do Rio de Janeiro e São Paulo, estados atingidos por uma grave crise hídrica.

Para o ministro do Meio Ambiente, José Sarney Filho, o histórico é preocupante. “Tivemos episódios menores, mas com danos grandes ao meio ambiente antes de Mariana e, estruturalmente, nada foi feito para evitar novas tragédias. Tiramos lições desse episódio e algumas delas são que precisamos reforçar nossos órgãos fiscalizadores e aperfeiçoar a nossa legislação. São ações extremamente necessárias, o MMA está se estruturando e fazendo uma ampla ação para fiscalizar as barragens”.

Força-tarefa Rio Doce – Instituída pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, logo após o acidente de Mariana, a Força-Tarefa Rio Doce (FTRD) investiga o desastre socioambiental nas esferas civil e criminal. No último mês, a FTRD denunciou à Justiça 26 pessoas por crimes como homicídio com dolo eventual, inundação, desabamento e lesões corporais graves e por crimes ambientais.

A FTRD concluiu que os diversos órgãos de estrutura de gestão da Samarco, incluindo o conselho de administração, integrado pela Vale e BHP, tinham conhecimento dos sérios problemas de segurança da barragem de Fundão, inclusive de situação de pré-ruptura. Desconsiderando os riscos, os executivos optaram pela “ continuidade da sua política de aumento da produção e dos lucros em detrimento de ações efetivas que evitassem a tragédia”, afirmou o coordenador da FTRD, procurador da República José Adércio Leite. Documentos internos, obtidos pela FTRD, apontavam para cálculos de riscos que previam cenários muito semelhantes ao que viria a ocorrer após 5 de novembro de 2015. “A empresa sonegou informações ao DNPM e aos seus próprios mecanismos de auditoria interna e externas”, reforçou o procurador.

Procedimentos investigatórios ainda investigam eventuais crimes praticados pelas empresas após o rompimento da barragem e a exploração minerária fora dos termos e parâmetros estabelecidos pelo DNPM.

Em maio foi ajuizada ação civil pública, com pedido liminar, contra as empresas Samarco, Vale, BHP Billiton e entes públicos, pedindo a reparação integral dos danos sociais, econômicos e ambientais causados pelo rompimento da barragem de Fundão, além da condenação das empresas ao pagamento de dano moral coletivo.

Além do ajuizamento da ação, ainda estão em andamento no âmbito da FTRD dez procedimentos administrativos para apurar a responsabilização civil da empresa Samarco S.A no que diz respeito aos danos socioeconômicos e socioambientais nos estados de Minas Gerais e Espírito Santo decorrentes do rompimento da barragem de Fundão e seus desdobramentos.

Os inquéritos apuram, entre outros fatos, os impactos sobre comunidades tradicionais, danos ambientais ao Rio Doce e a manutenção da estabilidade das barragens Germano e Santarém, próximas à barragem de Fundão.

Alguns números do desastre:

19 pessoas mortas

29.300 carcaças de peixes coletadas ao longo dos rios Carmo e Doce, correspondendo a 14 toneladas de peixes mortos

A degradação atingiu não menos que 240,88 ha de Mata Atlântica e 45 ha de Mata Atlântica com eucalipto

Das 195 propriedades rurais atingidas em MG, 25 foram completamente devastadas

5.187.610m³ foi o volume de rejeitos encaminhados pela Vale para a Barragem de Fundão entre 2008 e 2015, o que corresponde a 27% de toda a lama depositada no local nesse período

Vazaram do reservatório de Fundão para os terrenos e corpos hídricos de jusante mais de 40 milhões de m³ de rejeitos

Em 2013, a Samarco teve um aumento de 3,2% no lucro e maior faturamento da história, enquanto se permanecia incrementando riscos proibidos na operação da barragem de Fundão, com redução dos gastos com segurança