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Se paciente for maior e capaz, transfusão de sangue contra a vontade viola a Constituição, afirma PGR

Manifestação foi apresentada em ação que questiona atos normativos de entidades médicas; entendimento não se aplica a crianças, adolescentes e incapazes

Em manifestação ao Supremo Tribunal Federal (STF), o procurador-geral da República, Augusto Aras, reiterou pedido para que seja reconhecida a inconstitucionalidade de normas que preveem a realização de transfusão de sangue contra a vontade de pacientes maiores de idade e capazes, mesmo em caso de risco iminente de morte. Para ele, esse conjunto de regras viola o princípio da dignidade humana e os direitos fundamentais à vida digna e à liberdade de consciência e de crença. E, no caso específico das testemunhas de Jeová, representa possível discriminação religiosa, afrontando o artigo 1º, inciso III, e artigo 5º, caput e incisos VI a VIII, da Constituição. No entanto, tal entendimento não deve prevalecer quando o paciente for criança, adolescente, incapaz, ou quando a recusa por determinado tratamento represente risco à saúde pública ou à coletividade.

O pedido foi apresentado, nesta sexta-feira (26), ao STF, em aditamento à Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 618, de autoria do Ministério Público Federal (MPF). A ação questiona o artigo 146 do Código Penal; o item 2 do Processo CFM 21/1980, adotado como anexo da Resolução 1.021/1980, do Conselho Federal de Medicina (CFM); os artigos 22 e 31 do Código de Ética Médica (Resolução CFM 2.217/2018); e artigo 3º da Resolução Cremerj 36/1999, do Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro (Cremerj). Como houve recente revogação da Resolução 1.021/1980, foi feito o aditamento a fim de incluir no rol dos dispositivos impugnados o parágrafo 2º do artigo 5º e os artigos 6º, 10 e 11 da Resolução CFM 2.232/2019, do CFM. Em síntese, as normas permitem a intervenção médica ou cirúrgica sem o consentimento do paciente, sob a justificativa de iminente perigo de morte, incluindo medidas como a transfusão de sangue.

No entendimento de Augusto Aras, é preciso interpretar a questão sob o prisma constitucional da dignidade humana, um dos fundamentos da República brasileira, que está intimamente relacionado à chamada autodeterminação – a capacidade de tomar decisões sem ser cerceado por terceiros ou pelo Estado, em que se insere o direito à inviolabilidade de consciência e de crença.

Ao tratar da questão da recusa de transfusão de sangue por testemunhas de Jeová, Aras esclarece que tal atitude tem origem na firme convicção religiosa seguida pelos membros daquela comunidade. “A violação a esse mandamento religioso representa para a testemunha de Jeová a exclusão do Paraíso, tornando-a impura diante de Deus e da respectiva comunidade e, quiçá, de si próprio. Impor a realização de tratamento contra a sua vontade retira, para a eternidade, o seu direito à vida digna”, pontua.

Condicionantes – Por outro lado, pontua o procurador-geral, a recusa da transfusão deve respeitar algumas condicionantes. Em primeiro lugar, a recusa deve ser manifestada previamente ou, se for o caso, deve existir documento de declaração antecipada de vontade do paciente. Nessas hipóteses, o médico poderá adotar todos os tratamentos de que dispuser e que entender melhores, excluindo-se a transfusão. Além disso, conforme afirma, a decisão de recusar tratamento de saúde, por convicção religiosa, deve estar limitada ao âmbito individual, sem que haja envolvimento de crianças, adolescentes ou incapazes ou represente risco à saúde pública e à coletividade.

Íntegra da manifestação na ADPF 618